segunda-feira, 9 de junho de 2014

Caso da ex-freira


Caso de ex-freira


 

Maria Piveta, ex-freira, casou com Ronaldo e descobriu, após o casamento, que este era homossexual e incapaz sequer de consumar o casamento. Fez várias tentativas para se “desfazer” desse vínculo meramente legal, pois tinha absoluta consciência de que seu casamento foi inválido e, portanto, não elevado a sacramento. Lutou em vão porque Ronaldo não compareceu ao Tribunal e a perícia constatou pequenos sinais de tentativas de consumação.

Pressionada pela idade, contraiu uma segunda união com um homem capaz, a quem ama e por quem é amada, pai dos seus três filhos. Espera, agora, que a igreja lhe reconheça o direito de comungar e de contrair casamento válido e indissolúvel com o pai de seus filhos.

Assim como Piveta vive a fidelidade para o pai de seus filhos, da segunda união, e se dedica totalmente à família, assim teria feito na primeira união se tivesse acertado na escolha de um homem capaz. Para tudo na vida se exige capacidade.

Não é difícil concluir, portanto, qual a união que Deus abençoou, mesmo sem passar pela forma canônica que a igreja oferece.

 Até hoje Piveta está clamando aos céus, como tantas outras mulheres, para que seja declarada a nulidade da primeira união.... e que a segunda união seja “sanada” pela igreja.... e lhe abram os “portões” para que consiga chegar à mesa da comunhão.

Veja-se o absurdo, e se é possível: A Piveta, uma vez que é casada na igreja com “A”, deve deixar o pai de seus filhos, que é “B”, para ir viver novamente com “A”, que, por sua vez já contraiu até casamento homossexual com “C”.

Tem solução o caso da Piveta ? Tem... mas depende da boa vontade de muita gente, da disponibilidade de muito tempo, de gastos necessários ao sustento da família.

A Igreja, sendo speculum justitiae (espelho da justiça) precisa rever com urgência o seu Direito substantivo e processual e agir com rapidez.

O caso da Piveta é um entre milhares que se arrastam pelos Tribunais Eclesiásticos e apenas mais um entre milhões que não chegam nem às portas da primeira instância dos Tribunais.

A Dignitas Connubii  não passa de uma peneira tentando segurar a passagem da luz do sol. Não tocou no que está na essência dos problemas. O ilustre professor JUAN JOSÈ GARCÍA FAÍLDE, comentando a Dignitas Connubii afirma: “Confesso que nunca vi com bons olhos este cân. 1085 § 2 que diz:

- “Ainda que o matrimônio anterior tenha sido nulo ou dissolvido por qualquer causa, não é permitido contrair outro antes de constar legitimamente e com certeza da nulidade ou dissolução do primeiro”.

E acrescenta o ilustre Decano emérito do Tribunal da Nunciatura de Madrid: “ Prevalece aqui, portanto, o legal sobre a realidade e sobre o ius connubi: sobre a realidade, porque, apesar de partir do pressuposto de que o matrimônio é realmente nulo, se obriga a proceder no foro externo como se realmente fosse válido; sobre o ius connubi, porque a quem não está sujeito a um “impedimento de vínculo” se proíbe contrair matrimônio como se estivesse sujeito a esse impedimento. Tenho-me perguntado muitas vezes se isto se compagina com o que nos deixou dito Nosso Senhor: que não é o homem para o Sábado mas o Sábado para o homem”.([1])  

E eu também me pergunto mil vezes: E o foro interno (Confessionário) deve seguir essa mesma orientação do foro externo (Tribunais)? O confessor não pode atuar separadamente e, portanto resolver na hora da confissão, sem esperar pela conclusão do judiciário? É triste ver que as orientações dos alunos prevalecem às lições dos professores. Por isso muitas pessoas saem dos confessionários chorando... quando deveriam sair de lá aliviadas dos fardos que lhes colocaram às costas!

A Igreja precisa despertar para a realidade em que vivemos e abrir as portas da justiça aos fiéis que ainda confiam nela.

Quanta gente, por causa de tanto esperar que lhe fosse concedida a graça da dispensa do matrimônio por inconsumação (teve gente que esperou 16 anos) ou pela declaração de nulidade (estão sendo julgados em segunda instância de processos iniciados em 2001) ficou sem casar …sem ter filhos. E isto não é pecado “grande”? O problema não é de quem trancou as portas?

O maior sinal de que Deus abençoou o casamento são os filhos, fruto da união do homem com a mulher. Estas uniões, sim, não separe o homem estas famílias abençoadas por Deus.

O Papa Francisco falou: “A Igreja não é uma Alfândega”.


[1] - Conf. Revista FORUM CANONICUM, vol. I/1-2, ano I, Jan-Dez, 2006, Lisboa; JUAN JOSÈ GARCÍA FAÍLDE, Análise da Instrução DIGNITAS CONNUBII, pág. 49.

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Casados e marginalizados


O casamento do Antigo Testamento

tem o “placet” de Cristo


Já vi, pelos e-mails que chegam que a confusão reina sob o estado de graça de quem é casado na igreja e quem não é ou já foi.

É bom voltarmos às origens no Antigo Testamento e verificar se aquilo que os homens seguiam por tradição em relação ao casamento tem o aval, isto é, a concordância de Cristo.


I - FUNDAMENTOS BÍBLICOS


1.1  – LEI  CONSTITUCIONAL BÍBLICA


Em dez mandamentos Moisés resumiu os principais deveres do homem para com o próximo e para com Deus; em apenas três artigos a Tradição  resume no livro do Gênesis a constituição do casamento:

Art. 01 - “Não é bom que o homem esteja só; vou dar-lhe uma ajuda que lhe seja adequada” (Gên. 2,18). Apresentando a mulher ao homem, Deus teve deste a resposta:  “Osso de meus ossos e a carne de minha carne”. (Gen. 2,23).

Art. 02 - “O homem deixará seu pai e sua mãe para se unir à sua mulher e formarem uma só carne” (Gen. 2,24)....

Art.03- “Frutificai e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a...” (Gen. 1,28).

Esta lei fundamental da constituição da FAMÍLIA é composta por três elementos essenciais:

1 – UM HOMEM E UMA MULHER. O Senhor Deus disse: “Não é bom que o homem esteja só; vou dar-lhe uma ajuda que lhe seja adequada”... E apresentou a mulher ao homem. (Gen. 2,18).

Deus amava tanto o homem que se preocupou até com a sua solidão. Podemos, portanto, concluir que a finalidade do casamento é a formação de uma comunidade primária formada por um homem e uma mulher, em que os dois se ajudem e se completem NO AMOR de tal forma que não mais se sintam sós ou abandonados.

2 – FUSÃO ENTRE OS DOIS. Não é um contrato meramente para evitar a solidão e, muito menos, para resolver problemas sexuais. A fusão só se dá com amor, para sempre, sob pena de, na separação, um carregar para sempre pedaços do outro.

O homem ao receber a mulher como um presente de Deus, disse: “Eis aqui o osso de meus ossos e a carne de minha carne...”. (Gen. 2,23).  São dois seres, o homem e a mulher, que se fundem num só: a célula familiar. Quando dois elementos se fundem, formam uma unidade indissolúvel. Portanto, podemos dizer que o casamento é um novo estado de vida formado pela fusão de dois elementos: a vida solitária do homem mais a vida solitária da mulher, dá o estado solidário em que a felicidade mútua é a tônica predominante. O casamento é para ambos serem felizes para sempre... e não para compartilhar sofrimentos.

Portanto, são propriedades essenciais desta fusão: a unidade e a indissolubilidade. Sem estes dois elementos a fusão não se opera, pois não passa de uma simples união, estável ou enquanto durar qualquer bobagem.

Surge, então, a lei fundamental referente ao casamento: “Por isso o homem (e a mulher) deixa seu pai e sua mãe para se unir à sua mulher (ao seu marido) para formarem uma só carne” (Gen. 2,24).

O amor conjugal deve ser maior que o amor ao pai ou à mãe para poder fundir-se na célula familiar.

3– FINALIDADE: COABITAR NA ALEGRIA E PRODUZIR FRUTOS. O casamento tem finalidades que o definem e distinguem de contratos, instituições, estados de vida. É a união entre um homem e uma mulher com a mais nobre e sublime finalidade, entre todas as missões recebidas do Criador do Universo: colaborar com a criação para que o ser humano não se extinga da face da terra.

Deus criou o homem e a mulher à sua imagem e semelhança e os abençoou: “Frutificai e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a...” (Gen. 1,28).

Quem pede a Deus a bênção dos filhos deve estar preparado para recebê-los, à semelhança do Criador que primeiro criou o paraíso para aí colocar o homem e a mulher.  O planejamento familiar é próprio de quem foi criado à semelhança de Deus: raciocina antes de fazer.


1.2  -   O “PLACET” = CONCORDÂNCIA DE CRISTO



Cristo não veio mudar as leis do Antigo Testamento que considera inspiradas por seu Pai, o criador do mundo, mas aperfeiçoá-las, torná-las compreensíveis. Em relação ao casamento, Jesus realçou em seus ensinamentos dois elementos básicos e essenciais que identificam os casamentos que são aprovados e abençoados por Deus:  

- A unidade do casamento: quando Deus abençoa, abençoa para sempre.

            - A indissolubilidade do casamento: não pode ficar ao sabor da maré.

Jesus saiu dali e foi para a região da Judéia e da Transjordânia. Pelo caminho a multidão voltou a segui-lo e, como era seu costume, de novo se pôs a ensiná-los: “no princípio da criação Deus os fez homem e mulher, por isso o homem deixará pai e mãe para unir-se à sua mulher, e os dois serão uma só carne . Assim, já não são dois, mas uma só carne.  Não separe, pois, o homem o que Deus uniu” (Marcos. 10,6). “Eu, porém, vos digo: Quem se divorciar de sua mulher, salvo em caso de ‘porneia’, e se casar com outra, comete adultério” (Mateus. 19,4).

O divórcio não recebeu o placet” de Cristo:

- “Também foi dito: Aquele que rejeitar a sua mulher, dê-lhe carta de repúdio (divórcio). Eu, porém, vos digo: Aquele que repudiar sua mulher expõe-na ao adultério e quem casar com a repudiada comete adultério também.”

Cristo trouxe a igualdade de direitos para homens e mulheres. As mulheres adúlteras eram apedrejadas... mas não consta que nenhum homem adúltero também fosse apedrejado.

SÍNTESE

Não poderemos falar de matrimônio sem nos reportarmos às passagens bíblicas que formam o direito matrimonial constitucional:

              1 – Deus criou o homem e a mulher e os abençoou: “Frutificai e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a...”.(Gen. 1,28).

              2 – O Senhor Deus disse: “Não é bom que o homem esteja só; vou dar-lhe uma ajuda que lhe seja adequada”... E apresentou a mulher ao homem. (Gen. 2,18).

              3 – O homem ao receber aquela mulher, como um presente de Deus, disse: “Eis aqui o osso de meus ossos e a carne de minha carne...”. (Gen. 2,23)

              4 – Surge então a lei constitucional referente ao casamento: “Por isso o homem (e a mulher) deixa seu pai e sua mãe para se unir à sua mulher (ao seu marido) para formarem uma só carne”. (Gen. 2,24).

5 – “Não lestes que no princípio o Criador os fez homem e mulher e disse: Por isso o homem deixará o pai e a mãe para unir-se à sua mulher, e os dois serão uma só carne? (Mt. 19,5). “Mas no princípio da criação Deus os fez homem e mulher. Por isso o homem deixará pai e mãe para unir-se à sua mulher, e os dois serão uma só carne” . Assim, já não são dois, mas uma só carne.  Não separe, pois, o homem o que Deus uniu”. (Mc. 10,7s).

Quando o homem encontra, através do namoro consciente, a carne de sua carne e o osso de seus ossos, não há, além da morte, tempestade que os separe. São como a casa construída sobre a rocha.

NOTA FINAL:

Ninguém quer errar na escolha, mas muita gente erra; ninguém quer partir a perna, mas muita gente parte. Por isso Cristo falou ninguém se separe a não ser em caso de “porneia”. Logo as exceções à lei geral existem: são casos de casamentos inválidos que devem ser declarados nulos pela autoridade competente.

O divórcio não recebeu o “placet” de Cristo porque era unilateral: só o homem podia dar a carta de divórcio e, pior, a seu bel prazer, sem direito a defesa. A injustiça era gritante.

Se você tem consciência de que Deus não abençoou o seu casamento, até porque não tem filhos dessa união, e não tem como ter acesso a um tribunal eclesiástico, por dinheiro, por afazeres ou por distância, sinta-se em paz se vive na fidelidade, na educação cristã dos filhos até que a morte os separe. Um bom orientador espiritual pode ajudar muito nestes casos. Um orientador despreparado pode ser a desgraça da sua família.

terça-feira, 3 de junho de 2014

Casados Recasados leiam


 1 -   EXISTE SAÍDA?

(RESPOSTA AO PROFESSOR HÄRING)

 
Estudei teologia moral nos idos anos de 1967-68 pelo manual A LEI DE CRISTO, do professor Bernhard Häring, uma obra ímpar que deixou todos os estudantes de Teologia Moral entusiasmados e ajudou alguns colegas a ganhar coragem para salvar seu povo da lei que mata e elevá-los ao espírito da lei que vivifica.

Trinta e quatro anos depois, chega-me às mãos, já após a sua morte, o seguinte lamento do meu magnífico professor:

A presente situação exige de mim como professor emérito de teologia moral, depois de 50 anos de ensino e ministério pastoral, que diga a minha palavra de alento, a última talvez, de simpatia para com os separados, mas também de simpatia para com os bispos e quantos atuam em tarefas pastorais. Talvez essa palavra de encorajamento e simpatia faça parte de minha preparação imediata para a morte, com a firme confiança na promessa do Senhor: Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia (1)

Confesso que fiquei extremamente sensibilizado e acordei de um sonho que durante os meus vinte e sete anos de juiz do Tribunal Eclesiástico Regional do Rio de Janeiro, desde a sua criação como Tribunal Regional (1975), embora com muitos e estranhos pesadelos provocados propositalmente por outro ilustre professor e Vigário Judicial, o Cônego Edgar Franca, que tantas vezes me repetia:

Preocupa-me saber que muitos fiéis desconhecem a existência dos Tribunais Eclesiásticos.

                                         Preocupa-me mais ainda o despreparo dos Tribunais

para os receberem, os ouvirem e lhes fazerem justiça.

Quantas vidas marginalizadas, sofridas ou mortas porque não Ilhes abrimos as portas da justiça ou o fizemos tarde demais. 2

Trabalhei arduamente ao lado do Cônego Edgar Franca e de outros doutos Vigários Judiciais, como Mons. José Maria Tapajós, Pe. Mário Magaldi, Côn. Manuel Tenório, Mons. Crescenti, Pe. José Guimarães, Pe. Barra, Pe. Luís Madero e D. João Corso, mas minha preocupação fundamental era dinamizar a justiça através da informatização e automatização do Tribunal, pois estava, e continuo convencido, que justiça demorada é só meia justiça.

Agora vem o professor Häring renovar minha velha preocupação chorando à minha porta por tantos e tantos amigos, iguais a tantos outros amigos meus, que sofrem e são pessoas maravilhosas, apenas erraram na escolha:

São pessoas iguais a nós, que sofreram mais do que nós, e que certamente nos superam no vigor da sua fé, na capacidade de resistência à dor, e no amor a uma Igreja que, por vezes, não parece compreendê-los.3

Mas o que mais mexeu com a minha sensibilidade foi o desafio que ele me fez, e a todos os canonistas, de modo especial aos Bispos Canonistas, de mostrar sabedoria e o verdadeiro rosto:

Diante do número cada vez maior de separações matrimoniais e do sofrimento inexprimível dos que passam por esta situação, a Igreja é chamada a mostrar a sua sabedoria e o seu verdadeiro rosto. (4)

Sim, o desafio foi-me feito de modo direto porque a minha Igreja não é feita de corações de pedra, mas de homens de coração de carne. E eu sou um deles. Grande parte dos casamentos realizados nas igrejas são inválidos. E quem casou invalidamente tem direito a contrair matrimônio válido, isto é, abençoado por Deus. Um dos sinais da bênção de Deus são os filhos do casal. Os confessores, melhor que os tribunais, podem ajudar a solucionar o problema dos casados na igreja e recasados.

O prof. Häring gostaria de ter ouvido de um Papa o que o Papa Francisco escreveu recentemente: A igreja não pode ser uma Alfândega... a Comunhão Eucarística é um presente de Deus Pai para quem precisa e não para quem merece. (ver meu Editorial de Maio).
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1-  HÃRING, BERNHARD, Existe Saída? - Para uma Pastoral dos Divorciados, pág. 12. Edições Loyola, 2'.edição, São Paulo, Brasil  1995.
2. Conf. VASCONCELOS, ABÍLIO, Por que casou? Casou por quê? pág. 3. Livraria Nossa Senhora da Paz, Rio de Janeiro, Brasil
3. HÄRING, BERNHARD, Existe Saída? - Para uma Pastoral dos Divorciados, pág. 11. Edições Loyola, 2'. edição, São Paulo, Brasil, 1995.
4. HÁRING, BERNHARD, Existe Saída? - Para uma Pastoral dos Divorciados, pág. 10. Edições Loyola, 2'. edição, São Paulo, Brasil, 1995.