NA SAÚDE E NA DOENÇA
A Demandante deste processo descobriu aos 50 anos, depois de 31 de casada, dois filhos e vários netos, que seu casamento religioso foi inválido porque nem ela nem o marido eram capazes de assumir os deveres matrimoniais, e que ela visava diretamente uma qualidade no marido que este não tinha.
Pergunta-se: por mais um pouco, não dava para esperar que a morte os separasse?!
Eis o drama:
As partes conheceram-se na
igreja quando frequentavam o grupo jovem da paróquia, ela com 16 anos e ele com
19 anos.
Namoraram e noivaram por
quatro anos. Decidiram casar e tiveram o apoio da família, pois todos eram católicas
praticantes.
Até o casamento tudo
decorreu bem e continuou bem por muitos anos. Por volta dos doze anos de
casados, o demandado começou a apresentar um certo transtorno bipolar, uns
vezes bem humorado, outras mal humorado. Mesmo assim, aos trancos e barrancos,
o casamento teve a duração de mais de 30 anos.
Tiveram um casal de filhos
que foram bem recebidos por ambas as partes e também receberam uma boa formação
e educação.
A separação foi apenas por
vontade da demandante que alegou não poder suportar por mais tempo o marido, que, quando não correspondido, ficava agressivo e
até violento, pois não aceitava ser contrariado.
A convivência tumultuada,
devido ao comportamento impróprio do demandado, agravada pelo exagero nos
relacionamentos, que, por vezes incluíam agressões físicas, embora
demonstrassem um transtorno de ordem psíquica, contudo, não parecem ter sido tão
desmesurados pois ela já os conhecia, aceitou, e com eles conviveu
por mais de trinta anos.
Acordou agora para o problema?
Não há provas de que
os transtornos psíquicos fossem tão graves que inviabilizassem o consentimento
matrimonial por parte do demandado.
Vejamos o que disse a demandante e as testemunhas dela:
O depoimento da demandante, longo e detalhado, tal como o fizera no libelo introdutório da causa em apreço, relata as dificuldades e problemas que vivenciou nos seus 31 anos de casada, desde o tempo de namoro, noivado e durante o casamento, devido ao temperamento forte do demandado e, ao mesmo tempo, “muito amoroso e delicado com ela, embora com um ritmo mais acelerado que o dela” (fol. 81). Continua: Quanto à vida de casados, nos três primeiros anos, “queria-me todo o tempo disponível para ele e, quando isso não acontecia, gritava, batia a porta, perdia o controle emocional, mas não me agredia fisicamente” (fol. 82). Acrescenta: Depois do segundo filho, o desiquilíbrio do comportamento acentuou-se bastante tentando, inclusive, o suicídio e “tendo sido diagnosticado o distúrbio bipolar e "comorbidades" (?)” (fol. 83). A partir daí começaram as agressões físicas.
As testemunhas pouco, ou nada, sabem da vida íntima dos dois. Era muito pouco o que extravasava. O filho mais novo do casal confirma a doença do pai, que se torna mais evidente com o decorrer dos anos, chegando a dizer que a mãe “tentava esconder que era agredida” (fol. 91), mas já a avó dele, mãe da própria demandante, afirma “que se davam bem e estavam apaixonados... parecia um casal normal (fol. 75).
Os distúrbios do demandado parecem, confirmados pelos filhos, mas não tão graves a ponto de serem percebidos pelos vizinhos, nem pelos familiares mais próximos. A própria irmã da demandante afirma a fol. 63: “só fui a saber da seriedade do problema deles quando já estavam casados há cerca de doze anos”.
Quanto à incapacidade da própria demandante assumir o casamento, nem mesmo o perito encontrou nada, conclui: “era capaz de assumir responsavelmente e com maior liberdade as obrigações matrimoniais”(fol. 125).
A parte demandada, o marido, não compareceu para apresentar o contraditório e, portanto, não pode ser periciado. Alguma anormalidade possuía, mas nos autos só constam indícios insuficientes para afrontar o cân. 1060 do Código de Direito Canônico que diz que o vínculo matrimonial goza do favor do direito, tanto mais que os depoimentos das testemunhas são imprecisos e a duração da coabitação ultrapassou as três décadas. O tempo de convivência e os dois filhos gerados, e muito bem educados, são outro fator forte para que o vínculo matrimonial tenha continuidade.
Quem casa na igreja, tendo capacidade para o fazer e liberdade para consentir, assume o compromisso de manter a união conjugal na saúde e na doença.
Quanto ao problema que a demandante também alega de ter sido induzida em erro por verificar depois do casamento que o marido não possuía a qualidade que ela visava diretamente, esse capítulo de nulidade do casamento foi totalmente esquecido no decorrer do processo. Qual a qualidade que a demandante queria que o demandado tivesse? Nos primeiros dez anos foi tudo bem, ele era “amoroso e delicado”. Se essa qualidade, que ninguém sabe qual era, fosse tão importante para a demandante, esta rapidamente descobriria a sua falta nos primeiros dias do casamento, ou, o mais tardar, nos primeiros anos de casamento, e apressar-se-ia em pedir a declaração de nulidade... não esperaria trinta anos.
No processo transparece que a demandante, ainda hoje, “sente amor por ele”. Por outro lado, estando o demandado em tratamento médico, ainda é possível que esta família se recomponha para a felicidade de pais e filhos.
Os juízes, tendo examinado detalhadamente os autos, reuniram-se para sentenciar: - O vínculo matrimonial permanece, pois não à provas de que Deus não tenha abençoado este casamento.