MENTIRA
TEM PERNA CURTA
TRIBUNAL
ECLESIÁSTICO REGIONAL DO RIO DE JANEIRO
AAAAA, Demandante, casou-se com BBBBB, parte
Demandada, no Santuário da Medalha Milagrosa,
Arquidiocese do Rio de Janeiro, em 2009. No
mesmo dia casaram-se civilmente. Conviveram por quase dois anos e
não tiveram filhos
O Demandante deu entrada no processo de
declaração de nulidade deste casamento pelo seguinte motivo:
- Simulação parcial do consentimento
matrimonial por exclusão do bonum prolis por
parte do Demandante (can. 1101, 1)
Ora, para que se comprove verdadeiramente
que o Demandante, ou a parte Demandada, excluiu os filhos é necessário
que já antes do casamento tenha manifestado a pessoas da intimidade esse desejo
de os excluir, ou tenha deixado algum documento comprovativo de que esse era seu
desejo. Chama-se a isso prova em tempo insuspeito.
Quando a parte Demandante procura o Tribunal
alegando que queria ter filhos mas não os teve porque a outra parte os excluiu
e suas tentativas foram em vão para que os aceitasse, podemos dizer que existe fumus boni juris. A parte Demandante tem
direito aos filhos, a outra parte tem obrigação de fazer por onde. Se sempre os
evita, e como a paciência tem limites de espera, o processo pode ser iniciado
para que as alegações possam ser averiguadas e comprovadas de modo ordinário.
Porém, quando a Parte Demandante diz que ela mesma simulou porque queria casar, mas não queria ter filhos, e ninguém mais sabia dessa sua vontade, nem mesmo a
parte Demandada, pode tratar-se de uma desculpa de “mau pagador” para tentar
resolver problemas ocultos.
No caso em julgamento, AAAA e BBBB conheceram-se
quando ele formou uma banda
em que ela veio a ser vocalista.
Iniciaram
um namoro que durou três anos, e,
após o mesmo, ficaram
noivos por
um ano e
três meses. Neste período de namoro e noivado o clima
era bom.
Após o casamento, viajaram para a lua de mel, onde houve a consumação matrimonial, sem dificuldades.
Após o retorno da
lua de mel, ocorreram os primeiros desentendimentos. AAAA fala do namoro e seu
intento de não ter filhos:
-"Nosso relacionamento transcorreu
normalmente, um namoro em que inexistiam
brigas
e discordâncias"
- "Demonstrávamos atitudes de respeito,
carinho e amizade
recíprocos"
- "Já quando voltamos da
lua de meios primeiros desentendimentos começaram a acontecer em razão de eu não querer ter
filhos
ao contrário da Demandada que os
queria”
- "Depois do casamento, eu quis o mais claramente possível demonstrar à Demandada que eu não tinha
vontade de ser
pai". "Eu decididamente não queria ter filhos"
- "O assunto de filhos não era tratado por mim com honestidade. Quando o assunto
sobre filhos era iniciado, eu
desconversava. Passei a deixar clara a minha opinião quando
retomamos
da viagem, o que gerou diversos desentendimentos
e discussões entre nós"
- "Com o tempo nos afastamos
totalmente um do outro, mesmo
morando no mesmo apartamento"; "as
discussões se agravaram durante o ano de 2010 e no término do mesmo, já não tínhamos intimidade
como casal"; "não tivemos filhos".
Que provas de suas afirmações o
Demandante traz ao processo? Vejamos:
- A Demandada diz: "Casamo-nos porque nós nos gostávamos e livremente, assim contraímos o matrimônio" .... "Posso dizer ... que o casamento
fracassou também pelo fato de o Demandante não querer ter filhos"
.
- O próprio Demandante diz que não
contou a ninguém: "Jamais comentei com quem quer que seja meu propósito de não querer ter filhos”.
Ora, se o Demandante não contou aos
amigos que iria excluir os filhos, ninguém pode afirmar que sabia:
1- PPPP, amigo, componente da banda do Demandante e
padrinho do casamento, diz:
- «As partes demonstravam 'carinho, respeito
e amizade e estavam sempre
juntas". "Posso dizer que durante o casamento,
Demandante e Demandada eram amigos, companheiros". "Não sei dizer se Alessi,
comentou com alguém que não queria
ter filhos, comigo jamais surgiu tal tipo de comentário". "Não tiveram filhos. Desconheço
as razões pelas quais não
os tiveram» .
2- MMMM, mãe do Demandante, diz:
- "Para mim as partes
sempre estavam muito bem e assim posso concluir que havia entre elas carinho, respeito
e amizade". “AAAA jamais comentou comigo
a respeito do
fato de não querer ter filhos". “Não tiveram filhos. O Demandante não comentava comigo a respeito
de ter ou não ter filhos".
3- TTTT, irmã
do Demandante,
conta:
- "Sempre soube que o Demandante e a Demandada viviam em perfeita harmonia, sem brigas e desentendimentos" ..... "Nunca escutei
do meu irmão que ele não queria
ter filhos; nem
sei, também, se teria ele comentou isso com alguém".
"Após a
separação, fiquei sabendo que meu irmão não queria ter filhos"
CONCLUSÃO
Há um brocardo jurídico que diz gratie afirmantur, gratie negantur. O
Demandante diz que excluiu os filhos, mas diz também que nunca revelou isso a ninguém,
e as testemunhas confirmam que não souberam dessa sua intenção a não ser depois
de desfeito o casamento. Portanto, tempo suspeito, em área de interesse.
A Demandada, a quem o Demandante
revelou seu intento depois de voltarem da lua de mel, diz que esse foi também um
dos motivos da separação. Foi também um dos motivos. Não diz tão pouco que esse
foi o principal motivo.
Portanto, ainda estão em tempo de
voltarem ao convívio conjugal, ter muitos filhos e serem felizes para sempre; ou,
então, a parte Demandada que se mova e diga que seu casamento foi nulo porque,
apesar do seu esforço de vários anos, não conseguiu fazer com que o Demandante evitasse
a concepção dos filhos.
Isto posto, voto NEGATIVAMENTE ao capítulo alegado. Mantenha-se a validade do casamento.
Rio de
Janeiro, de 2014
_________________________________________
Pe Abílio
Soares de Vasconcelos, juiz
Nenhum comentário:
Postar um comentário